Plantas alimentícias não convencionais: fonte de nutrientes que é subutilizada

A falta de acesso aos alimentos é um problema que permanece atual e que afeta pessoas de todos os países, uns mais, outros menos. Sem entrar no mérito da questão das causas que estão relacionadas à desigualdade da distribuição e acesso aos alimentos e do desperdício surge uma pergunta: quais as alternativas para ajudar a reduzir a fome no Brasil?

Na mesma proporção que cresce a falta de acesso da população aos alimentos e a comida fica mais cara, uma infinidade de plantas comestíveis, ricas em nutrientes, que nascem espontaneamente nas matas, nos campos agrícolas, nos canteiros das praças, no quintal ou no jardim das casas, que muitas vezes são consideradas mato ou erva daninha são subutilizadas e porque não dizer desprezadas pela indústria alimentícia como é o caso das chamadas Plantas Alimentícias Não Convencionais – PANCs.

O termo PANCs foi criado, em 2008, pelo botânico Valdely Ferreira Kinupp, um dos maiores estudiosos de plantas no Brasil e um dos autores do livro “Plantas alimentícias não convencionais (PANCs) no Brasil”.

As PANCs abrangem desde plantas nativas, silvestres e exóticas que podem ser usadas como alimento na forma de folhas e/ou fruto ou na forma de farinha, óleo ou amido. São plantas resistentes, que crescem espontaneamente em qualquer ambiente, não possuem cadeia produtiva estabelecida, nem sempre são consideradas opções culinárias e não costumam ser encontradas facilmente nos mercados convencionais.

Na verdade as PANCs escondem um universo de possibilidades para montar um cardápio saudável e nutritivo. Para especialistas em alimentação essas plantas são pouco utilizadas na alimentação por falta de conhecimento e costume. Porque, no Brasil, as PANCs são encontradas em quase todos os lugares, pois cada região tem suas espécies que são nativas.

Apesar de alguns povos já usarem as PANCs na alimentação a bastante tempo, de uns tempos pra cá, sua difusão ganhou força, devido aos estudos que revelaram que esse tipo de planta possui teores maiores de minerais, fibras, proteínas e antioxidantes, quando comparada as plantas domesticadas.

Exemplos de variedades de PANCs e seus benefícios

Há uma diversidade de PANCs espalhadas por todas as regiões brasileiras, muitas delas são bastante consumidas pela população do local onde se encontram. Porem o consumo desse tipo de alimento não ocorre com a mesma intensidade das plantas domesticadas, como couve, alface, cenoura, batata, chuchu etc.

Confira a seguir algumas variedades de PANCs, o seu nome científico, a região onde se desenvolvem e seus principais benefícios.

  • Taioba (Xanthosoma sagittifolium)

Essa hortaliça é originária das regiões tropicais da América do Sul. No Brasil, o maior consumo ocorre nos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. É uma planta que não reage bem a temperaturas abaixo de 15 graus. Pode ser cultivada no quintal de casa.

É uma planta com alto teor de fibras e excelente fonte de vitamina C e A, ferro, cálcio, fósforo e outros minerais. A parte mais consumida são as suas folhas, que devem ser consumidas cozidas ou refogadas, ou ainda, como recheio de tortas ou quiches e em omeletes, sopas, molhos e caldos. Mas sua raiz ou rizoma também é comestível, muito parecida com o inhame.

Entre os benefícios da taioba podemos destacar: melhora o funcionamento do sistema digestivo, combatendo a prisão de ventre; previne a anemia; auxilia na redução do colesterol; ajuda a controlar a pressão arterial; fortalece os ossos, aumentando a resistência e a densidade óssea; fortalece o sistema imunológico e combate os radicais livres que causam o envelhecimento da pele.

Apenas a taioba que possui talos e folhas de cor verde clara e com linhas desenhadas em toda a sua borda pode ser consumida, que é conhecida como taioba mansa. A chamada taioba brava, que possui folhas verdes escuras e talos roxos, é tóxica, portanto não deve ser consumida.

  • Ora-pro-nobis (Pereskia aculeata)

Muito conhecida nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, a ora-pro-nobis, também chamada de ‘carne de pobre’, faz parte das Plantas Alimentícias Não Convencionais. Seu nome popular vem do latim “rogai por nós”. É uma cactácea trepadeira folhosa, que se desenvolve bem em diversos tipos de solo, tanto na sombra quanto em ambientes ensolarados, portanto de fácil cultivo doméstico. É uma planta muito utilizada em cercas vivas.

Considerada um superalimento, embora ainda pouco aproveitado no Brasil, a ora-pro-nobis se destaca pelo seu alto nutricional, visto que é uma fonte rica de proteína com baixo teor de gordura, vitamina C, ferro, magnésio, cálcio e fibras. Além disso, a planta conta com compostos bioativos e fenólicos, que tem ação antioxidante e anti-inflamatória dentro do nosso organismo.

Normalmente são consumidas as folhas e caules, mas as flores e os brotos da ora-pro-nobis também são comestíveis. Pode ser consumida em saladas cruas, refogada, misturada no arroz e, na forma de farinha, em pães e bolos.

Os principais benefícios do consumo de ora-pro-nobis são: auxilia na função e desenvolvimento muscular; reforça o sistema imunológico; combate a anemia; regulariza o trânsito intestinal; ajuda no controle das taxas da glicose e do colesterol, contribui para a regeneração do DNA e muito mais.

  • Gabiroba (Campomanesia xanthocarpa)

No Brasil a gabirobeira é encontrada principalmente, nas bacias dos rios das regiões Sul e Centro Oeste e em Minas Gerais e São Paulo. É uma planta pouco exigente em relação ao solo, sendo resistente a diferentes climas e estiagens. Seu fruto é uma excelente fonte de proteínas, niacina, sais minerais, fibras e vitaminas C. Pode ser consumida in natura ou na forma de sucos, mousses, sorvetes, picolés, salada de frutas e em sobremesa diversas.

O consumo regular da gabiroba traz muitos benefícios para nossa saúde, sendo que os principais são: auxilia na prevenção de gripes e resfriados, alivia a diarreia e a disenteria, ajuda a reduzir os radicais livres, alivia os sintomas da inflamação, melhora a saúde cardiovascular e regula os níveis de glicose.

  • Buriti (Mauritia flexuosa)

O buriti é um fruto de uma palmeira abundante na Região Amazônica e nos estados do Mato Grosso, Bahia e Minas Gerais.

Além de ser uma grande fonte de vitamina A e C, o buriti é rico em proteínas, fibras e em minerais como cálcio, ferro, potássio, fósforo e zinco. A parte comestível do fruto é a polpa que pode ser consumida ao natural, para fazer doces, sucos, sorvetes, geleias, licores, vinhos, entre outras receitas. Há também o óleo de buriti, que tem uma grande concentração de carotenoides, e pode ser usado como corante natural. E tem mais o tronco do buriti rende um saboroso palmito rico em vitaminas e em sais minerais.

Por possuir diversas propriedades terapêuticas, o buriti beneficia a nossa saúde em diversos aspectos, tais como: fortalece o sistema imunológico, combate os radicais livres, responsáveis pelo envelhecimento precoce, remove os sais biliares e as toxinas do nosso organismo, regula os níveis de açúcar no sangue, ajuda na recuperação da pele dos danos causados pelo sol e beneficia a saúde dos olhos, ajudando na prevenção da catarata.

  • Araruta (Maranta arundinacea)

A araruta é uma planta originária das regiões tropicais da América do Sul, que possui um rizoma fibroso, com fécula branca do qual é possível se extrair um polvilho finíssimo com grandes propriedades nutritivas e medicinais. Muito consumida no passado, seu cultivo foi prejudicado pelo fato da indústria alimentícia ter substituído o polvilho de araruta pelo de mandioca ou pela farinha de trigo e milho. Por isso atualmente é considerada uma PANC.

Alimento leve e de fácil digestão, a araruta é uma excelente fonte de vitaminas, proteínas e fibras e o melhor, é livre de glúten. Pode ser consumida na forma natural em ensopados ou sopas e sua farinha pode ser usada para preparar: mingaus, biscoitos, bolos, pão de queijo e molhos.

Entre suas propriedades medicinais estão: ação analgésica e antidiarreica, ajuda equilibrar os níveis de glicose e de colesterol no sangue, combate problemas gastrointestinais, trata feridas e picadas de insetos e muito mais.

  • Chicória (Cichorium intybus)

Hortaliça muito conhecida na região amazónica, a chicória se propaga de forma espontânea nos campos agrícolas, nos bosques, jardim e quintais. Reconhecida com uma planta alimentícia não convencional, a chicória é uma espécie vegetal rústica que consegue se desenvolver em situações adversas, como altas temperaturas e não é exigente quanto ao tipo de solo.

Além de possuir pouca caloria, a chicória é um alimento rico em proteínas, carboidratos, potássio, ferro, magnésio, vitaminas B6 e C e fibras. Com um sabor um pouco amargo, as folhas da chicória podem ser consumidas cruas ou cozidas em saladas, molhos e em recheios de esfirras, tortas e pizzas.

Os benefícios promovidos pelo consumo da chicória são: contribui para o bom funcionamento do intestino, atua como anti-inflamatório, reduz o colesterol LDL do organismo, ajuda no combate ao estresse e ansiedade, auxilia na redução de dores musculares, aumenta a imunidade, entre outros.

  • Vinagreira (Hibiscus Sabdariffa)

A vinagreira é um vegetal típico da flora regional do estado do Maranhão, cujas folhas são presença constante em pratos regionais como o arroz de cuxá, que além de benefícios para a saúde traz gosto e beleza as receitas. Só para se ter uma ideia da importância da planta, desde o ano 2000, a vinagreira se tornou Bem Imaterial do Patrimônio Cultural Brasileiro.

Você sabia que a vinagreira e o famoso chá de hibisco vem da mesma planta, a Hibiscus Sabdariffa? Pois é, o chá de hibisco, bebida amplamente consumida no mundo, é feita da flor da planta, enquanto que as folhas são utilizadas no preparo de receitas.

Na composição química da vinagreira inclui proteína, carboidratos, lipídeos, fósforo, ferro, beta caroteno, vitamina C, flavonoides e antocianinas. Sendo assim, seu consumo gera os seguintes benefícios: ajuda na desintoxicação do organismo, alivia cólicas uterinas, auxilia no tratamento de espasmos gastrointestinais, auxilia no controle da pressão arterial, ajuda regular o intestino, possui propriedades diuréticas e anti-inflamatórias etc.

 

Além dessas, existem diversas outras espécies vegetais que fazem parte das Plantas Alimentícias Não Convencionais que são excelentes fontes de nutrientes, importantes para a saúde humana e de fácil cultivo.

Cabe alertar que antes de consumir qualquer espécie vegetal, busque informações a respeito da sua origem, seu nome científico e sua identificação, porque muitas espécies podem ser tóxicas.

O poder dos alimentos in natura para melhorar a qualidade de vida e para prevenir diferentes doenças é amplamente reconhecido pela literatura científica, por isso as PANCs deveriam ter mais espaço nos mercados, nos restaurantes e lares brasileiros.

Somados aos benefícios para a saúde, o cultivo das PANCs pode ser fonte de renda para pequenos produtores, principalmente da agricultura familiar, além de possuir baixo impacto ambiental.

Nos últimos tempos, o poder nutritivo das PANCs se disseminou pelo país, despertando o interesse dos brasileiros, sobretudo dos adeptos de uma alimentação variada e sustentável, em cultivá-la em seus quintais.

Entretanto, para o botânico Valdely Ferreira Kinupp, ainda falta muito para que essas plantas deixem de ser consideradas “não convencionais”. Em sua opinião as espécies silvestres que são comestíveis deveriam ser tão estudadas como o arroz e o trigo, por exemplo.

Haja vista que comer PANC não é só se alimentar bem, cuidar do seu ecossistema, que é o seu corpo, mas principalmente contribuir para preservação da natureza, porque não se usa agrotóxico para cultiva-la, ou seja, as PANCs são orgânicas por definição.

Atenção! Os alimentos e plantas com propriedades medicinais não substituem o acompanhamento médico e a prática de atividade física.

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